19 de agosto de 2009

Quatro pedras na mão

É preciso raiva por vezes. Assumir que assim se sente; que quer morder, estraçalhar, esmurrar, gritar, espernear e chorar bem muito, até que o veneno seja excretado. Raiva é feio, mas é bom de sentir quando se torna um desabafo, um modo autêntico de tirar o cão de dentro, de manifestar que está ruim e que não se aceita o pior. Por que engolir mais um sapo, fingir que não se importa com mais uma atitude reprovável de alguém? Dar aquele risinho sonso de "nem te ligo"? Fingir que é um brother e fazer/receber confissões? Raiva, raiva de como as coisas não são como gostaríamos, de como as pessoas são medíocres (e nós também), de como elas não têm culpa de não serem do nosso gosto e, ao mesmo tempo, merecem todas as pedras. E que as pedras façam sangrar, como sangra em nós a mágoa pelo que existe e não se muda. Realidade, sobriedade, fato, óbvio...tudo fonte da raiva. Ilusões, desejos alimentados, viagens de coração nos dão o bálsamo necessário ao gozo, à tranquilidade e ao conforto da mentira em que apenas nós acreditamos e pela qual lutamos até a morte. Quando a morte chega, desses devaneios insustentáveis, a raiva domina - e ela só é merecida por nós mesmos, os responsáveis pela expectativa burra. Auto-ódio incomoda, mas é preciso. Beliscões nas bochechas frente ao espelho, grito alto e até uns murros na parede, uma coisa psicopata mesmo - bem O Iluminado - ajuda a acabar com o otário que há em nós. Bufar, rosnar,xingar, puxar cabelos...depois da descarga de mal, vem a bonança. Assim se espera. Aliás, esperar é o car...!!!

17 de agosto de 2009

Seco


O gole é seco, mas o sangue, rubro
Entra assim sem cerimônias teu desejo em mim
Tanto que, às vezes, sorvo e nem percebo
Quanto és tu e quanto sou eu nesse mar sem fim
Nesse sempre inquieto embaçar de lábios mudos

Faz-me triste ou faz dormir
E em Morfeu tanto repousei apenas por tua embriaguez
Fora dela não houve salvação
E talvez nem haja agora maior sensatez

Sei apenas meu não querer ser menos
Que tuas medíocres musas o são
Um complexo de Dionísio paira em meu sangue
E não ver paisagem sob nós já faz vão
Todo o sentimento puro
Todo o amor maduro
Que oferto assim sem querer

Para evitá-lo preciso beber
Mais um gole apenas de tu, vinho
Para esquecer meu solitário caminho
Que nego a tantos somente por saber
Nome e sobrenome da perdição

E só resta clamar à razão
Que me ajuda a dizer que é não!
Que apesar de tão forte empatia
Da nobreza cúmplice de todo dia
Não são meus os teus sabores mais fortes
Nem tem cheiro de mim tua sorte

Sai, então, pelo suor, pelo calor!
Assim some fatiada essa dor
Que teus cálices homeopáticos me causam
Toda noite antes de deitar
Vinho espesso, noite longa
Dia triste, longe e perto

Me ajuda a te tirar
De tudo o que seja íntimo
Mesmo que a retina registre em tortura
O líquido cruel de teu sorriso
Me tira essa verdade dura
Que agora não mais reinará

Vinho, embriaga-me mais uma vez
Que amanhã sem ti vou acordar.

5 de agosto de 2009

Os opostos se distraem


Desavisados certamente taxarão de preconceituoso, pedante ou discriminativo este textinho sobre mundos sociais distintos. Caso seja válido o artifício da desculpa, é importante frisar que se trata apenas de constatações naturais que, com medo de pecar e ser do mal, as pessoas evitam até mencionar. No entanto, ninguém se choca com patricinhas se divertindo com cafuçus do morro, como fossem artigos exóticos para usar e de quem rir. Do mesmo jeito com senhores empresários acostumados aos antros mais baixos de prostituição, que se assemelham às senzalas visitadas por eles quando no Engenho do passado de escravidão. Sem tanto drama, o que se observa é a relevância, não do fator econômico, mas do quesito cultural no andamento de relacionamentos amorosos. De início, tudo são flores - roubadas, de floricultura cara ou de plástico -, o espírito Romeu e Julieta manda pastar as diferenças sociais e os pombinhos fazem amorzinho gostoso no melhor estilo "nosso amor é tão bonito, mas seus pais não querem nossa união/dizem que a pobreza é lixo e que rapaz pobre não tem coração". Em matéria de tesão, para boa parte das criaturas, o que menos importa é grau de instrução, se já leu mais de meio livro na vida ou se não sabe a diferença entre camudongo e comunismo. Com o passar dos tempos, o frigir dos ovos e o esfriar dos hormônios, começam os incômodos. Ela evita sair em grupo com vergonha do pouco conhecimento gramatical dele. Ele liga para a amiga após o filme do cinema, pois, nas partes em que estava acordada, a namorada não entendeu. Os amigos cults não vão interagir com o cônjuge. Ela vai brochar os projetos dele por uma ignorante implicância. Vai faltar conversa no jantar (há coisa pior?). Apareçam os mais diversos entraves, os sintomas são de falta de sintonia, conexões desencontradas, delay, distância de tempo e espaço, confusão de sinapses. É triste, mas, quando é questão de ritmos distintos, a tendência é o insucesso. E só porque as criaturas não escolhem como companheiros gente com condição de companhia sua. Pobre, rico, feio ou bonito, a questão é: sintonia. Somente. Simples assim. A não ser para encobrir frustrações como auto-estima baixa, insegurança emocional e até completa incompetência de manter uma relação saudável, opostos não se atraem. Não significa que casais devam ser parecidos e, consequentemente, hermanos, contudo há de imperar afinidade mais do que básica, algo que justifique a cumplicidade - essa não morre com o passar do frisson. Enquanto o despertar para o outro se baseie em beleza, conveniência e padrão, sonhos diferentes ficarão no plano virtual; caminhos serão destruídos, sementes abortadas. A incapacidade de se permanecer só é a grande vilã de relacionamentos que só desgastam nosso íntimo já tão desconfiado. Esperar, enxergar e se conhecer: eis a ordem para não perder tempo e evitar mágoas. E, se o certo não existir nesta vida, que os errados, ao menos, estejam na mesma conexão.